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O que o linguista, ao se defrontar com a fala delirante de um psicótico, pode dizer sobre essa fala? Esta é a questão inicial que guia o presente trabalho, o qual em seu percurso se sustenta em outras tantas perguntas, disseminadas parcimoniosamente pelo autor.
Para o leitor um caminho se constrói passo a passo, seguindo uma linha tênue e precisa. Inicialmente, encontra um primeiro ponto de apoio, em forma de pergunta: Como e quando o termo neologismo entrou no discurso psiquiátrico? Após a leitura de uma breve história do neologismo na psiquiatria clássica, o leitor avança em direção ao campo da psicanálise e, seguindo os passos de Freud, questiona de forma mais radical a relação entre sujeito e linguagem: Por que e para quem se fala? E, indo ainda mais longe, é precedido por uma questão: Quem fala onde isso fala?
Só depois de acompanhar tais dis-cursus, tais idas e voltas, é que o leitor pode, de fato, deparar-se com a questão que se coloca cuidadosamente e acompanha todo o texto: Seria possível usar o termo 'neologismo' nas psicoses para se referir às palavras insólitas do psicótico? E acompanhamos, então, o estatuto das formações que aparecem no dizer psicótico e que tem efeito neológico por meio das falas de um sujeito particular, produtor de séries alfásicas e possuidor de pequenos plasmoglinfos.
São essas palavras insólitas que causam espanto e fascínio ao linguista, ao psiquiatra e ao psicanalista. No entanto, diferentes respostas serão produzidas de acordo com o interlocutor considerado. Se questões de lexicologia e lexicografia tomam de assalto o linguista, são os saberes em torno da doença mental e do sofrimento psíquico que provocam o psiquiatra. Ao psicanalista de orientação lacaniana, em seu suposto não-saber, a posição do sujeito diante do significante nos casos de psicose se coloca como enigma. Sem uma tomada prévia de posição – e talvez aí resida o maior mérito do livro de Walker Pincerati –, o autor conduz o leitor por um percurso tensional que se desdobra em novos caminhos, novas trilhas. Desse modo, considera o fenômeno de criação de palavras na psicose e provoca o leitor – de diferentes campos e saberes – para adentrar e seguir a aventura do encontro e desencontro com a loucura das palavras insólitas. (Suely Aires)
Este livro, pode ser tomado como um prelúdio ao estudo dos distúrbios da linguagem próprios à psicose. A atenção, aqui, está voltada ao estudo do estatuto da palavra nova do psicótico e de sua especificidade nessa psicopatologia. A proposta, na verdade, é a de não tomá-la como um neologismo – como é, majoritariamente, designada não só na Psiquiatria e na Psicanálise, como também nos raros estudos linguísticos nesse tema –, mas como um efeito neológico. Essa proposta se sustenta no fato de que a palavra nova do psicótico só é semanticamente opaca se a retirarmos do dizer delirante em que irrompeu. Como o leitor poderá aqui conferir, quando a tomamos nas relações formais que estabelece com as demais palavras que a cercam e como uma construção que é perfeitamente coerente com o tema do delírio, percebemos que o insólito é efeito da diferença estrutural entre o dizer na psicose e o dizer na neurose. O psicótico, diferentemente do neurótico, crê no poder das palavras. Dito de outro modo, ele dá primazia à reiteração fônica entre as palavras, não à relação delas com as coisas do mundo. A palavra de efeito neológico não pode circular no discurso ordinário porque só tem sentido no delírio em que irrompe; ela tem efeito neológico porque tem eficácia no delírio: ela organiza o material significante na formação delirante do psicótico segundo o tema de seu delírio e conforme a crença que ele tem na excepcionalidade de seu poder e de seu corpo. Isto é, a palavra de efeito neológico tem eficácia porque tem efeitos significativos na formação delirante: abriga a excepcionalidade do psicótico no mundo de tal modo que apazigua as perseguições que o fazem sofrer. É por isso que ela é uma peça importante na construção delirante. O efeito neológico, pois, deixa entrever que o psicótico habita a linguagem de um modo diferente do neurótico e que o delírio serve a ele como uma construção, um abrigo em que se situa no mundo como um ser poderoso.
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