Analisar a escrita na folha de papel ou na folha virtual da internet, da máquina, é o nosso objetivo maior. Portanto, como noutras obras, oriundas do grupo de pesquisa Da Torre de Marfim à Torre de Babel, pretendemos discutir as questões que se apresentam na análise dos corpora, questionar o que se tornou naturalizado pelo hábito, pela cultura, pelo cotidiano, pelas crenças que se fazem representações em nosso imaginário e nos dão a impressão (em todos os sentidos do termo) – ao mesmo tempo em que fazem pressão – de que somos unos, idênticos a nós mesmos e aos outros, ou, ainda, tão diferentes que em nada nos parecemos aos demais com quem convivemos, inflando, dessa formam, nosso ego narcísico – que, enfim, nos concede a dimensão ilusória de uma identidade fixa ou, ao menos, estável, estabilizada, quando ela é mutável, instável, em constante movimento, mas sempre social, proveniente do outro que se torna o outro de si. Dessa forma, não temos a pretensão ou a intenção de fornecer “receitas” ou soluções aos problemas, sempre novos e sempre diferentes, da sala de aula, mas abrir sendas para que cada um, ao perseguir aquela que escolher, se sinta responsável, responda por seus gestos pedagógicos, por sua ação educativa, pelo futuro da sua escola, da sua cidade, do seu país... Essa, a nosso ver, a atitude ética que (im)põe o respeito ao outro, à sua criatividade, à sua competência, ao seu esforço em compreender a situação em que se encontram e em buscar soluções criativas para seus problemas.
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TEMAS QUE COMPÕEM A OBRA E SEUS AUTORES:
A-PRESENT(E)AÇÃO
Maria José R. F. Coracini
Beatriz Maria Eckert-Hoff
PARTE 1 -- PROCESSOS DE ESCRITA: ENTRE A TEORIA E A APRENDIZAGEM
DISCURSO E ESCRIT(UR)A: ENTRE A NECESSIDADE E A (IM)POSSIBILIDADE DE ENSINAR
Maria José R. F. Coracini
ESCRITA: (RE)CONSTRUÇÃO DE VOZES, SENTIDOS, `EUS'...
Fernanda Correa Silveira Galli
A ESCRITA COMO RECUSA DA IMOBILIDADE: O AUTOR E A POLÍTICA DA CRIAÇÃO DE SI
Ana Maria G. Carmagnani
PARTE 2 -- A ESCRITA DE SI E DO OUTRO
(DIS)SABORES DA LÍNGUA MA(E)TERNA: OS CONFLITOS DE UM ENTRE-LUGAR
Beatriz Maria Eckert-Hoff
A ESCRIT(UR)A DE SI: UMA HISTÓRIA DO SUJEITO PELA ALTERIDADE
Amanda Eloina Scherer
ESCRITA MAL ESCRITA OU MAL-ESTAR DA ESCRITA? A INELUTÁVEL ESCRITA DE SI
Elzira Yoko Uyeno
REPRESENTAÇÕES E DESLOCAMENTOS NO DIÁRIO DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: UMA ESCRITA DE SI PARA O OUTRO
Valdeni da Silva Reis
PARTE 3 -- FORMAS DE SE DIZER NA/SOBRE A ESCRITURA ELETRÔNICA
A ESCRITA DE SI EM TEMPOS DE CHAT: A NARRATIVA DO FRAGMENTÁRIO
Cristiane Dias
NATAL. TP 2027. O ESPAÇO E O TEMPO NAS LEITURAS DO QUOTIDIANO
Clara Ferrão Tavares
O PROFESSOR DE LÍNGUA INGLESA E
AS CONFISSÕES DE SI FRENTE AO MUNDO CIBERNÉTICO
Márcia Aparecida Amador Mascia
PARTE 4 -- RASTROS DE SI NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS
ESCRITAS DE SI E IDENTIDADES PROFISSIONAIS DE PROFESSORES
Claudete Moreno Ghiraldelo
AS IMAGENS INSCRITAS NO CORPO DO OUTRO
Juliana Santana Cavallari
LÍNGUA ESTRANGEIRA E ESCRITA NORMALIZADA: SUJEITO NA/PELA LÍNGUA DO OUTRO
Deusa Maria de Souza Pinheiro Passos
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O papel da escrita é constituir,
com tudo o que a leitura constituiu, um “corpo”.
E é preciso compreender esse corpo não como
um corpo de doutrina,
mas sim como o próprio corpo daquele que,
transcrevendo suas leituras,
delas se apropriou e fez sua a verdade delas:
a escrita transforma a coisa vista ou ouvida
“em forças e em sangue” (Michel Foucault)
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A-PRESENT(E)-AÇÃO
Uma a-present(e)-ação pressupõe uma ação presente, pois apresentar uma obra significa agir, inter-agir com o leitor e com os autores – co-laboradores –, concretizar um trabalho que, no caso em questão, teve início em 2006, há, portanto, aproximadamente, quatro anos. Tempo em que, nós, organizadoras, tivemos que superar alguns percalços: convidar colegas, aguardar capítulos, enviar a pareceristas, esperar correções e contribuições atrasadas, contatar editora... Finalmente, superados os obstáculos normais, organizados os capítulos e as partes, cá estamos, para dizer da satisfação de, uma vez mais, (a)present(e)ar (a) nossos leitores, interessados em formação de professores e, particularmente, na escrita em texto-papel ou em texto-virtual, com um conjunto de capítulos que reúnem preocupações de um grupo de pesquisa (registrado no CNPq), cujos membros, juntos, vêm se preocupando há anos com essa temática, talvez a principal a ser observada e problematizada pelas escolas do ensino fundamental e médio.
Ao lado desse tema, ou melhor, dentro da temática da escrita, temos nos preocupado com a questão da subjetividade e da identidade; afinal, escrever é sempre uma ação (ou um gesto, se preferirmos) que se dá, ao mesmo tempo, em dois sentidos: de fora para dentro e de dentro para fora. Toda escrita é inscrição de si, ainda que o gênero textual exija, por convenções tácita e anonimamente acordadas, um (im)possível afastamento, uma (im)possível objetividade que deveria fazer o objeto falar(-se), como é o caso do discurso científico e do discurso jornalístico. Inevitavelmente, todo texto fala de seu autor, todo texto carrega em si traços daquele que escreve e que, portanto, se inscreve naquilo que produz, com o material (a língua(gem) social que, por sua falta constitutiva, torna-nos sujeito.
Não vemos como abordar a subjetividade sem problematizar a identidade. Como a própria palavra (re)vela, a identidade (latim - Idem = o mesmo) é a busca do que nos torna iguais, ou ao menos semelhantes aos outros que nos cercam, nos limites dos grupos que frequentamos ou das formações discursivas em que nos inscrevemos. Estas, de certa forma, apresentam regularidades, simulacro da heterogeneidade que marca a singularidade de cada um. Ser singular é, portanto, fazer do que é comum, semelhante, igual, algo incomum, diferente, desigual.
Problematizar essas questões, analisar a escrita na folha de papel ou na folha virtual da internet, da máquina, é o nosso objetivo maior. Portanto, como noutras obras, oriundas do grupo de pesquisa Da Torre de Marfim à Torre de Babel, pretendemos discutir as questões que se apresentam na análise dos corpora, questionar o que se tornou naturalizado pelo hábito, pela cultura, pelo cotidiano, pelas crenças que se fazem representações em nosso imaginário e nos dão a impressão (em todos os sentidos do termo) – ao mesmo tempo em que fazem pressão – de que somos unos, idênticos a nós mesmos e aos outros, ou, ainda, tão diferentes que em nada nos parecemos aos demais com quem convivemos, inflando, dessa formam, nosso ego narcísico – que, enfim, nos concede a dimensão ilusória de uma identidade fixa ou, ao menos, estável, estabilizada, quando ela é mutável, instável, em constante movimento, mas sempre social, proveniente do outro que se torna o outro de si. Dessa forma, não temos a pretensão ou a intenção de fornecer “receitas” ou soluções aos problemas, sempre novos e sempre diferentes, da sala de aula, mas abrir sendas para que cada um, ao perseguir aquela que escolher, se sinta responsável, responda por seus gestos pedagógicos, por sua ação educativa, pelo futuro da sua escola, da sua cidade, do seu país... Essa, a nosso ver, a atitude ética que (im)põe o respeito ao outro, à sua criatividade, à sua competência, ao seu esforço em compreender a situação em que se encontram e em buscar soluções criativas para seus problemas.
Resta-nos, então, descrever rapidamente a presente obra(-presente). Divide-se ela em quatro partes. A primeira, intitulada “Processos de escrita: entre a teoria e a aprendizagem”, é composta de três textos que discutem a questão da escrita em diferentes correntes teóricas, bem como no exercício de sua prática escolar e acadêmica. Como num ato inaugural, Coracini abre essa parte com o texto Discurso e Escrit(ur)a: entre a necessidade e a (im)possibilidade de ensinar, em que tece, inicialmente, uma síntese das principais abordagens da escrita, percorrendo a linguística, a filosofia e a psicanálise, para enfatizar a escrita de si na visão discursivo-desconstrutivista e discuti-la no contexto escolar.
Em seguida, temos o texto Escrita: (re)construção de vozes, sentidos, `eus'..., em que Galli procede à análise de um texto de aluno – produzido a partir de Auto-retrato de Manuel Bandeira e Poema de sete faces de Carlos Drummond de Andrade –, para problematizar o ensino e a aprendizagem da escrita num movimento de (trans)formação, que se configura em “plissês (des)contínuos” (re)construídos de múltiplas vozes.
Fecha essa primeira parte, já num gesto de abertura da segunda, o texto de Carmagnani, intitulado A escrita como recusa da imobilidade: o autor e a política da criação de si, que problematiza a escrita acadêmica, por meio da análise de textos introdutórios de dissertações e teses, para capturar rastros de singularidade que mostram de que maneira o autor, ao escrever, (se) cria, recria, inventa, reinventa, escapando da imobilidade da escrita acadêmica.
A segunda parte, intitulada “A escrita de si e do outro”, configura-se de textos que mostram como o sujeito, ao escrever de si, do outro, para o outro, e(in)screve o si-mesmo e o outro, sempre com seu traço, num movimento de ausência e presença. No texto de abertura dessa segunda parte, intitulado (Dis)sabores da língua ma(e)terna: os conflitos de um entre-lugar, Eckert-Hoff relata a sua própria experiência sociocultural e linguística – que se traça num entre-línguas, entre-culturas, cuja história de vida é marcada pela imigração europeia alemã, no Sul do Brasil – para rastrear marcas deixadas pela (con)fusão das línguas e seus efeitos na constituição identitária.
A seguir, Uyeno lança seu texto Escrita mal escrita ou mal-estar da escrita? A inelutável escrita de si, em que procede à “escuta” de discursos de alunos na fase de escrita da dissertação de Mestrado, como forma de atentar para as formações do inconsciente que se manifestam nas interações cotidianas como o chiste, o lapso e a contradição, com o objetivo de mostrar como a escrita é lugar de divisão, fragmentação do sujeito.
Reis tece o texto intitulado Representações e deslocamentos no diário de aprendizagem de língua estrangeira: uma escrita de si para o outro, com o objetivo de discutir as representações do escrevente acerca de si e do(s) outro(s). Para tanto, analisa diários de aprendizagem, problematizando essa escrita como uma escrita de si, porém oriunda de uma demanda de reflexão e da exigência de se dizer o que se é (do lugar de aluno) para o professor, no processo de aprendizagem de aula de língua estrangeira.
“Formas de se dizer na/sobre a escritura eletrônica” constitui a terceira parte deste livro, que problematiza a escrita no papel, na tela e em outros espaços de tempo e lugar. Essa parte é inaugurada pelo texto A escrita de si em tempos de chat: a narrativa do fragmentário, de Dias, que analisa o espaço discursivo de um Chat específico para portadores do vírus HIV, com o objetivo de estudar as “formas textuais do simulacro”, no contraponto com as formas textuais da representação, para discutir a narratividade que se instaura com as tecnologias digitais, como novas tecnologias de escrita.
Constituída de olhares alternados entre o papel e o ecrã, por navegações na blogosfera, a terceira parte desta obra é brindada, ainda, com um texto internacional, de Ferrão Tavares, intitulado Em Natal. TP 2027. O espaço e o tempo nas leituras do quotidiano. O texto visa à análise de eventos de leitura e escrita em diferentes espaços de aprendizagem (museus, aeroportos) para, em seguida, proceder a uma análise mais aprofundada da blogosfera, mais especificamente de quinze blogues com visitantes em idade escolar, blogues esses ligados a duas séries infanto-juvenis da televisão portuguesa, com o intuito de problematizar a questão da literacia, da leitura e da escrita no espaço escolar. Já o texto de Mascia, intitulado O professor de língua inglesa e as confissões de si frente ao mundo cibernético, objetiva um estudo das relações imaginárias que emergem de depoimentos de professores de língua inglesa de escolas particulares e da rede pública, tendo como tópico o uso das Novas Tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. A autora busca verificar de que forma o professor, ao entrar (inevitavelmente) em um certo jogo da verdade no mundo das Novas Tecnologias, deixa rastros do sujeito cindido em seus depoimentos, tomados como confissões de si.
Os textos que compõem a última parte do livro, intitulada “Rastros de si na formação do professor de línguas”, buscam percorrer escritas de si para problematizar a formação do sujeito-professor de línguas, materna e estrangeira. O primeiro texto, Escritas de si e identidades profissionais de professores, de Ghiraldelo, apresenta uma análise de dizeres de professores brasileiros de línguas materna (português do Brasil) e estrangeiras (inglês e francês), como forma de examinar como os sujeitos-professores se inscrevem com seus dizeres, e como destes emergem pontos de suas identidades profissionais.
Cavallari, em seu texto As imagens inscritas no corpo do outro, desnuda práticas discursivas que fundamentam o fazer pedagógico no ensino de língua estrangeira e que incidem na constituição identitária do sujeito-aluno, com o objetivo de rastrear marcas do discurso avaliador do sujeito-professor, cravadas no corpo do outro (aluno) para verificar como essas marcas produzem imagens no processo de identidade do aluno aprendiz de língua inglesa.
Souza-Pinheiro Passos fecha o corpo da obra, abrilhantando-nos com o artigo Língua estrangeira e escrita normalizada: sujeito na/pela língua do Outro, em que investiga textos de alunos de um Curso de Letras – cuja produção é demandada por uma disciplina do currículo do curso intitulada “Comunicação escrita em língua inglesa” –, com o intuito de compreender aspectos da relação do sujeito aluno (autor) com a escrita em língua inglesa e a modalidade dirigida ao (pelo) leitor (professor), submetida a injunções no processo de produção textual.
Acreditamos que esta síntese deixa clara a razão pela qual assumimos todos como pano de fundo teórico para a confecção de nossos textos (tecidos, tessituras) a abordagem discursiva que encontra ora em Pêcheux, ora em Foucault o seu arauto, a psicanálise freudiana e lacaniana (de um certo Freud e de um certo Lacan) para a compreensão do sujeito e da subjetividade, além da desconstrução que se inspira em Derrida, responsável pela problematização de tudo e de todos.
Estudos recentes – nossos e de outros – têm nos fornecido o tear para tecer, com fios de um e de outro, a malha ou a teia das nossas reflexões.
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