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Com uma história recente, no Brasil, mas já estabelecido, o campo da Linguística Aplicada (LA) tem como objeto a linguagem como prática social, em contextos que transbordam aqueles previstos em processos de aprendizagem de língua materna e de outras línguas, caracterizando-se pela tentativa de aceder e tecer compreensões sobre problemas sociais em que a linguagem é central. É reconhecida, atualmente, como um campo produtivo, transdisciplinar, que contribui com novos modos de fazer pesquisa e de produzir e compreender a ciência, as sociedades e os modos de ação, de ser e de estar, no mundo de sujeitos sociais. Nesse processo de constituição como campo de pesquisa e produção científica é reconhecido o papel singular de Angela Kleiman e de suas substantivas contribuições, quer na definição do lugar da LA no território da Ciência, quer na construção de um quadro epistemológico capaz de fornecer as chaves de leitura e interpretação para as problemáticas e temas focalizados.
Sumário
Prefácio
“Frutos de um percurso de militância”.
Ana Lúcia Guedes Pinto
Introdução
Parte 01 – Multiculturalismo e identidades
Letramentos e relações raciais em tempos de educação multicultural
Ana Lucia Silva Souza e Luanda Sito
O que dizem as educadoras sobre si: construções identitárias e formação docente
Claudia Lemos Vóvio e Paula Baracat De Grande
Quem está dizendo isso?: letramento acadêmico, identidade e poder na educação superior
Virginia Zavala
Parte 02 – Letramentos e escola
4. Os significados do letramento escolar como uma prática sociocultural
Clecio Bunzen
Variação cultural e ensino/aprendizagem de língua materna em comunidades de aprendizagem
Maria do Socorro Oliveira
O Jornal Escolar sob a ótica do ensino de gênero e da formação continuada do professor
Rosana Cunha
Pagando o aluguel: particularidade e inovação
Charles Bazerman
Parte 03 – Formação docente
Formação de professores de língua materna: algumas apostas
Jane Quintiliano Guimarães Silva
Juliana Alves Assis
Maria Angela Paulino Teixeira Lopes
Maria Aparecida da Mata
Da construção autoral à formação do professor: percursos, mudanças e novos horizontes
Eveline Mattos Tapias-Oliveira
Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda
Maria do Carmo Souza de Almeida
Maria de Jesus Ferreira Aires
Ariádne Castilho de Frêitas
Formação continuada de professores e apropriação de saberes: continuidade ou ruptura?
Marília Curado Valsechi
Funções de formadores e professores em um curso semipresencial de formação continuada: novas possibilidades, novos modos de participação
Carolina Assis Dias Vianna
Letramento do alfabetizador no local de trabalho: o efeito da revista nova escola
Cosme Batista do Santos e Lívia Modesto Orge
Pluralidade cultural, projeto de letramento, formAÇÃO docente: ressignificações possíveis.
Glícia Azevedo Tinoco
Sobre os autores
Introdução
Se foram os meus sucessivos deslocamentos geográficos os que facilitaram os meus deslocamentos ontológicos e epistemológicos, as rupturas com determinadas formas de conceber e conhecer os objetos do mundo social; se do meu trabalho pode ser dito que tem mostrado constantes e significativas transformações, então os momentos de nostalgia que, sem se anunciar, trazem de volta o estado permanente de exílio e de perda, serão ainda mais fugazes e inconseqüentes. Angela Kleiman, Memorial, 2002.
É com grande alegria que apresentamos a vocês esta coletânea. Reunir autores que entrelaçam suas histórias com a desta grande pesquisadora adquire, nessa obra e momento, significados vários. Primeiro deles, é homenageá-la num momento em que encerra uma etapa de sua carreira profissional como Professora Titular da Unicamp, abrindo novas possibilidades de ação no mundo. Outro deles é tornar visíveis como pesquisadores e linguistas aplicados dão continuidade, articulam e ampliam o quadro epistemológico e objetos de investigação a que ela se filiou nesses últimos 15 anos. E, por fim, explicitar o reconhecimento do significativo papel que Angela Kleiman ocupa no campo da Linguística Aplicada (LA), nas trajetórias formativas de autores convidados, bem como destacar afinidades teóricas e relações estabelecidas com outros convidados, entre eles Charles Bazerman e Virgínia Zavala, que se encontram nesta publicação.
Nascida no Chile, seus interesses acadêmicos atuais, pela linguagem escrita e formação do professor, remontam, de alguma maneira, o seu passado em seu país natal. Filha de professora primária e de artesão independente sem o primário completo, a carreira de professora significava a ascensão social possível. Angela Kleiman cursou Pedagogia do Inglês, no Instituto Pedagógico da Faculdade de Filosofia e das Ciências da Educação, Universidade do Chile, e graduou-se, em 1966, com o título profissional de “Professor de Estado em Inglês”. Após sua saída do Instituto Pedagógico,* conseguiu uma bolsa de estudos para cursar a pós-graduação nos Estados Unidos, na Universidade de Illinois, visando, não à pesquisa, mas a seu aperfeiçoamento profisional.
Nessa época, trabalhou em um curso de extensão visando à formação de professores de inglês como segunda língua, oferecido pelo programa de pós-graduação que cursava. Essa experiência é narrada por Angela em seu memorial (Escrito em 2002 para obtenção do título de Livre Docência) como extremamente produtiva para suas reflexões tanto sobre o ensino quanto sobre as relações possíveis entre teoria e sua aplicação, ajudando-a a compreender que a lógica da prática distingue-se da lógica da Ciência.
Em sua tese de doutorado, desenvolvida na área da Semântica Gerativa, analisava as implicações semânticas e pragmáticas de um fenômeno morfossintático do espanhol.** Tanto a área quanto o tema de sua pesquisa podem parecer alheios aos seus estudos posteriores, mas como ela mesma destaca, “foram decorrências naturais da paisagem acadêmica americana na data, muito bem refletida no programa que cursava” (2002, p. 24).
Após a conclusão do doutorado, tornou-se Professora de Recursos para os Programas Bilíngues, em Detroit (EUA), envolvendo-se com a elaboração de cursos e desenvolvimento de materiais para as professoras hispano-falantes vinculadas a programas bilíngues que atuavam com crianças chicanas, porto-riquenhas e mexicanas. É nesse trabalho com professoras, crianças e famílias de grupos considerados minoritários que Angela se encontrou com a pedagogia crítica e humanista de Paulo Freire. Essa perspectiva constituiu-se como aporte fundamental de seu processo de reflexão sobre essa nova prática e ação social e sobre os renovados interesses aplicados. Esse é apenas o primeiro marco de seu envolvimento com o compromisso político e ético de enfrentamento de problemáticas que afetam a grupos em situação de maior vulnerabilidade social, de intervenção e transformação da vida social. Tal experiência também ecoará nos argumentos que defende desde 1998 sobre o papel do pesquisador e da produção acadêmica no resgate da identidade do alfabetizador, “cada vez mais fragmentada em conseqüência da pauperização, de demandas contraditórias e, ultimamente, da responsabilização por tudo o que vai mal na escola” (2002, p. 32).
No final de 1977, após uma breve passagem pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas como professora estrangeira – em que deu início à docência e à pesquisa, na pós-graduação nas áreas de LA e Semântica e, na graduação no curso de Letras – foi contratada pela Unicamp para coordenar o Centro de Linguística Aplicada (CLA), voltado à prestação de serviços na área de ensino de línguas vinculado ao Departamento de Linguística. Embora fosse originalmente um contrato para exercer a coordenação do Centro, Angela envolveu-se com a docência, respondendo pelas disciplinas na área de concentração de LA no Programa de Pós-graduação em Linguística.
Após seu estágio de pós-doutorado no Center for the Study of Reading, da University of Illinois e no Department of Reading da University of Georgia (1982-1983), iniciou uma investigação sobre a compreensão de textos em língua materna, Inter-relação de fatores determinantes na leitura e compreensão de textos, finaciada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Dessa investigação resultou a formação de um grupo de pesquisa. Nesse mesmo período, ocupou-se de pesquisas sobre a leitura, concebendo-a, neste momento, como atividade cognitiva. Orientou dissertações e publicou resultados dessas investigações nas duas principais linhas de pesquisa na área de LA: leitura em língua materna e ensino de língua instrumental. Preocupada com as questões do ensino e da formação de leitores, adotou a abordagem sociocognitiva e aquelas advindas da linguística textual sobre o ato de ler e os elementos envolvidos nessa ação, que se coadunavam para colocar em cena o aluno como sujeito-leitor, o professor como modelo desse leitor e o ensino como prática coerente com uma postura interacionista e crítica. Sobre a leitura e seu ensino, Kleiman produziu obras de divulgação científica,*** o que lhe proporcionou o convívio e diálogo com inúmeros professores em todo o Brasil.
Nesse mesmo período, ocupou funções de relevância para a criação e consolidação do Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), na Unicamp. Como coordenadora do CLA iniciou a implantação do Departamento de Linguística Aplicada (DLA), o que viabilizou a construção de um curso de pós-graduação. Angela esteve à frente de várias atividades desde a implementação, passando pela coordenação, até a consolidação desse Departamento e do curso de mestrado, cuja primeira turma foi recebdia em março de 1987.
Concomitantemente aos planos para o curso, sob sua liderança e de colegas do DLA, foi desenvolvido um conjunto de atividades que visavam ao fortalecimento da área. Em 1990, numa reunião do GT de LA da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), sob sua coordenação, foi criada a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB). Nesse momento, Angela descrevia o campo da LA como consolidado e em plena expansão, no caso do Ensino de Língua Estrangeira, e incipiente e menos produtivo no caso do Ensino de Língua Materna.
A fim de ampliar a visibilidade da LA no país e institucionalizar o DLA, organizou, juntamente com Marilda Cavalcanti, o primeiro Congresso Nacional de Linguistica Aplicada, em 1986. Além disso, participou da primeira Diretoria da ALAB (1990), firmando a ascendência acadêmica desejada para o Departamento, apesar de sua recente criação. Portanto, narrar, ainda que de maneira breve, sobre a história desta pesquisadora é também abarcar seu reconhecido papel na fundação e consolidação do campo da LA no Brasil, por meio de suas substantivas contribuições, quer na definição do lugar dessa área no território da Ciência, quer na construção de um quadro epistemológico capaz de fornecer as chaves de leitura e interpretação para as problemáticas e temas focalizados ou, ainda, na formação de pesquisadores e linguistas aplicados
O ano de 1990 inaugura o início de suas pesquisas em uma área pela qual antes não tinha transitado: os Estudos de Letramento. Assumindo uma perspectiva sociocultural, como a proposta por Brian Street e por Shirley Brice Heath, para Kleiman (1995) a palavra de ordem desses estudos é “empowerment through literacy, ou seja, potencializar através do letramento” (p. 08). Desde muito cedo em sua carreira profissional, o fortalecimento de grupos sociais marginalizados instiga-a e a encaminha para debates e investigações, o que não é diferente nesse momento.
Suas pesquisas, iniciadas em 1991, sobre práticas de letramento de jovens e adultos não escolarizados, bifurcaram-se para investigações sobre práticas de letramentos de professores e de grupos minoritários. A partir da demanda de um governo municipal paulista para formar alfabetizadores de jovens e adultos, desenvolveu um projeto que congregava professores, pesquisadores e universitários do IEL, abrangendo a uma só vez a formação em serviço desses educadores e a pesquisa sobre o ensino da escrita e sobre “as variáveis relacionadas tanto à situação didática como ao contexto institucional” (Kleiman e Signorini 2000, p. vii) no qual essa intervenção se movia. Nessas pesquisas, que focalizavam a interação em situações de ensino/aprendizagem e o conflito presentes nestas dinâmicas, os Estudos de Letramento possibilitavam demonstrar que aprender a ler e escrever é conflitivo quando tal aprendizagem acarreta a perda e a substituição de práticas discursivas orais que, até esse momento, eram funcionais para o aluno. Angela também afirmava que a escrita pode transmutar de poderoso mecanismo de bloqueio e exclusão para o melhor e mais eficiente instrumento de resistência e de inclusão. Ainda em 1991, Angela institui o Núcleo de Pesquisa Letramento do Professor, que tem em sua história o desenvolvimento de cinco projetos temáticos ou integrados, a reunião de grupos de pesquisa em diversos cantos do Brasil e produção de inúmeras teses e dissertações, ações que renderam inúmeras publicações.
No Brasil, Angela tem sido um dos expoentes da abordagem sociocultural, investigando sobre as implicações para o campo educacional e para a produção de pesquisas sobre as práticas de letramento de grupos não ou pouco escolarizados e sobre a formação de leitores e de professores. A vertente adotada pressupõe que as práticas letradas, a leitura, a escrita e a oralidade, incluso a alfabetização e outras que se originam e se realizam na esfera social escolar, são fundamentalmente ligadas às estruturas sociais; encontram-se interpenetradas em complexos sistemas culturais e dentro de estruturas de poder. A obra inaugural Os Significados do Letramento, organizada por Angela em 1995, tornou-se fundamental para todos aqueles que se enveredam por essas problemáticas. Assim, as pesquisas desse grupo tematizam de variadas formas as práticas sociais relacionadas aos usos, à função e aos possíveis efeitos da aquisição da escrita, reposicionando o papel da linguagem, atualizando os sentidos da alfabetização, da escolarização e da formação docente e focalizando práticas de letramento menos visíveis e dominantes, as de grupos considerados minoritários.
Convergindo para a vertente adotada, os princípios e as premissas da pesquisa crítica na LA conformam a definição de objetos e os modos de conduzir as investigações desse Grupo. Como ela mesma destaca em seu memorial, “a perspectiva epistemológica do paradigma interpretativo dos estudos do letramento, que consideram que os usos da escrita são sociohistóricos e contextualmente situados, desloca o foco do objeto social (a escrita) para os sujeitos (usando a escrita) (ver Giddens, 1993)” (2002, p.48). Assumindo ainda uma perspectiva interdisciplinar, participam do grupo pedagogos, educadores, sociólogos, linguistas aplicados, que dialogam com as produções de diversos campos tais como as dos Estudos Culturais, da Antropologia e da Etnografia, da Sociologia numa perspectiva Construcionista, da História Cultural e da Leitura, da perspectiva sócio-histórica da Psicologia do Desenvolvimento, da Educação, entre outras. Além desses, vale ressaltar a produtividade com que o Dialogismo e o Método Sociológico na análise da interação verbal do Círculo de Bakhtin se coadunam com enfoques utilizados pelos pesquisadores para abordar os discursos produzidos pelos sujeitos-participantes desses estudos (Kleiman, no prelo). Essa riqueza e diversidade de discursos convergem para a produção de estudos que, segundo Kleiman (Ibid.), não abrem mão “das responsabilidades ético-políticas do pesquisador que acredita na possibilidade de seu trabalho contribuir para a transformação da vida social”. Uma das possibilidades de transformação é a de devolver a voz “àqueles reduzidos ao silêncio”, colocando seu trabalho e aqueles orientados por ela ao lado de cientistas sociais “admiráveis pela sua fé e otimismo quanto à possibilidade de mudança” (Kleiman 2002, p. 27).
Os projetos de pesquisa temáticos e/ou integrados foram muitos**** assim como as contribuições advindas desses projetos desenvolvidos e orientados por Angela Kleiman. Sua trajetória demonstra razões suficientes para a organização de uma publicação que tematize as três grandes linhas que ordenam sua vasta produção nas últimas duas décadas: multiculturalismo e identidades, letramentos e escola e a formação docente.
Os capítulos da Parte I, Muticulturalismo e Identidades, focalizam os significados das práticas de letramento na vida das pessoas e o modo pelo qual mudanças nesses modelos culturais e nas formas de ação no mundo interferem no processo de construção identitário. Abre essa seção, o capítulo de Souza e Sito que aborda uma questão ainda muito silenciada no campo da formação docente: a educação para as relações étnico-raciais. As autoras discutem sobre a necessidade de enfrentamento de questões que emergem nesse campo e de fortalecimento das discussões sobre as relações étnico-raciais no campo da educação e da formação docente, apontando implicações relevantes para se repensar programas e projetos voltados para a formação inicial e continuada de profissionais da educação. Suas reflexões estão calcadas nos Estudos do Letramento no campo da LA e no Multiculturalismo.
No segundo capítulo, Vóvio e De Grande discutem o processo de construção identitária de alfabetizadoras, trazendo outras miradas sobre os modos como se veem e produzem imagens sobre si-mesmas e sobre suas ações no mundo. Ao compreender esse processo como instável e a mercê da interação, as autoras colocam em suspeição fatores tomados como condicionantes das experiências de socialização de professores no universo da escrita e da docência, quebrando imagens depreciativas e amplamente disseminadas em relação a esse profissional.
As trilhas dos conflitos e dinâmicas na inserção em novas práticas de letramento na vida das pessoas são exploradas pela pesquisadora peruana Virginia Zavala, no terceiro capítulo. A autora analisa como no fenômeno de ascensão de novos grupos sociais ao ensino superior no Peru subjaz dinâmicas relacionais e de poder e a manifestação de conflitos, relacionados à introdução em práticas de letramento acadêmico, tanto para aqueles que os recebem como para aqueles que chegam a essa instituição social.
A Parte II deste livro, Letramentos e escola, dedica-se a compreender a escola como agência de letramento e a deslindar práticas de uso da língua escrita que lhes são próprias ou recontextualizadas em situações de ensino aprendizagem da língua. Duas proposições cunhadas por Angela Kleiman atravessam esses capítulos: a organização do processo de ensino aprendizagem por meio de projetos de letramento e o conceito de agente de letramento.
No capítulo quatro, Bunzen colabora para palmilhar e compreender a escola, enquanto esfera de circulação e produção de discursos e a atribuir novos sentidos às práticas sociais de uso da escrita situadas nesta agência de letramento. O autor situa tais práticas em relação aos processos de aprendizagem formal da leitura e da escrita, transmissão de conhecimentos e (re)apropriação de discursos. Na sequência, Oliveira discute como as normas de ensino-aprendizagem variam significativamente entre culturas, focalizando o agir e o pensar de professores de língua materna, integrados a programas de formação inicial e continuada, e destaca a relevância dos projetos de letramento como uma prática alternativa que possibilita declinar esse olhar cultural para a sala de aula. Cunha, no capítulo seis, discute a tendência atual de centrar o currículo de Língua Portuguesa nos gêneros do discurso e argumenta também a favor da adoção de projetos de letramento como meio para mudar e/ou ampliar a concepção de programas curriculares e materiais didáticos para o ensino de práticas de escrita mais autênticas, significativas e situadas. Para isso, analisa uma experiência de projeto de produção de dois jornais escolares em turmas de ensino médio.
A contribuição de Charles Bazerman, no capítulo sete, configura-se na discussão sobre plágio e originalidade nas produções escolares e os desafios criados para os estudantes frente ao extenso manancial de recursos cada vez mais proeminente com o advento da internet. O autor propõe um caminho que ultrapassa as fronteiras entre a criatividade individual e a coletiva a partir da perspectiva dialógica bakhtiniana, salientando as problemáticas de uso de fontes e discutindo o “aluguel” pelo uso das palavras dos outros.
A Parte III do livro, Formação docente, abrange tanto processos de formação inicial, compreendida com aquela que ocorre na graduação ou formação específica para a docência, e aquelas que têm lugar na escola e se dá de modo contínuo na carreira docente. O capítulo oito, de Silva, Assis, Lopes e da Mata, trata do processo de implantação de um novo projeto curricular para a graduação em Letras, sustentado por abordagens sociointeracionistas e vinculado à construção de um conjunto de saberes capazes de ultrapassar os limites da formação de professores, de forma a repercutir na transformação de representações acerca da língua e da linguagem, em outros espaços sociais. Aguça esse debate o capítulo de Tapias-Oliveira, Renda, Almeida, Aires e Freitas que tem como objetivo contribuir para o trabalho de professores-formadores que desejem formar professores pesquisadores, críticos, criativos e conscientes de si e de seu entorno, nos processos e nas práticas letradas e acadêmico-científicas. As autoras discutem sobre a formação inicial de professores e apresentam propostas para essa formação, contemplando a interface entre os letramentos acadêmico e profissional.
Na esfera da formação continuada de professores, Valsechi, no capítulo 10, discute a apropriação de saberes pelos professores alfabetizadores, que ressignificam os discursos dos formadores, revozeando outros discursos, com os quais estabelecem relações dialógicas. Para isso, aborda as políticas públicas de formação continuada, questionando seu caráter fragmentado e desconínuo em detrimento do oferecimento de processos de formação de qualidade. O capítulo seguinte, de Vianna, discute como a EaD, conjuntamente com uma metodologia que favorece a construção colaborativa de saberes, possibilita uma mudança na estrutura de participação na aula a distância na interação entre formadores e professores em comparação com a aula tradicional. Também desvela como as funções destes atores, formadores e professores, são alteradas na interação a distância durante a formação continuada.
Batista e Orge, no capítulo doze, apresentam uma iniciativa singular de formação continuada de professores por meio de eventos de formação nos quais se apropriam de artigos de divulgação científica da revista Nova Escola em uma escola da rede pública de ensino do município de Juazeiro, no sertão baiano. Os autores focalizam nesses eventos de letramento no local de trabalho docente a qualidade da mediação do professor formador, enquanto agente de letramento, e como os professores em formação se manifestam a respeito desse suporte.
Tinoco fecha a seção, discutindo alternativas para os contextos de formação de professores, a partir de uma noção pluralista de cultura, posicionada como constitutiva da vida social. A autora destaca o papel da linguagem na contínua configuração do mundo e dos sujeitos e aborda os projetos de letramento.como modelo que viabiliza mudanças na ação e na formação de professores de língua materna.
Cláudia Vóvio, Luanda Sito e Paula De Grande
Referências Bibliográficas
KLEIMAN, A. (1989a). Texto e Leitor. Aspectos cognitivos da leitura. Campinas, Pontes.
_______. (1989b). Leitura: ensino e pesquisa da leitura. Campinas, Pontes.
_______. (1993) Oficina de leitura. Campinas:,Pontes
_______. (org.) (1995) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, Mercado das Letras.
_______. (2002) Memorial para obtenção do título de Livre Docência. Departamento de Linguística Aplicada, Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp.
_______. (no prelo). Projetos dentro de projetos ensino-aprendizagem da escrita na formação de professores de nível universitário e de outros agentes de letramento. I SIMELP.
KLEIMAN, A. B. & SIGNORINI, I. (orgs.) (2000). O ensino e a formação do professor. Alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre, Artes Médicas.
Notas:
* Desintegrado com o golpe militar de Augusto Pinochet, em 1973.
** Ver A Syntactic Correlate of Semantic and Pragmatic Relations: the Subjunctive Mood in Spanish (1974).
*** Ver Kleiman 1989a; 1989b e 1993.
**** Entre eles os projetos Interação e Formação de Professores, Letramento e a comunicação intercultural e Letramento na formação do professor, pela FAPESP; Letramento e Escolarização , pelo CNPq; e dois projetos de cooperação internacional, na University of Lancaster, na Inglaterra (CAPES-BRITISH COUNCIL) e na Université de Grenoble (CAPES-COFECUB).
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