Embora escrito e pensado com um claro objetivo acadêmico, gostaria que o leitor que porventura tenha este livro nas mãos, percebesse que os exemplos e ilustrações de minha argumentação, a linguagem que exercito e os instrumentos de que lanço mão para seduzi-lo a permanecer lendo-o, são aqueles da literatura, domínio onde aposto minhas fichas na tentativa de modificação da linguagem pedagógica, hoje dominada por clichês e jargões que apontam, in extremis, para a falência do pensamento, para nossa incapacidade de interromper o continuum de nossa existência, repetindo os automatismos de nossas respostas. É isto o que chamo de “crise”.
A linguagem pedagógica que utilizamos, mergulhada em humanismo otimista, deixou de ser convincente e como não há vácuo social nem discursivo, o espaço deixado pela in-significância de nossa linguagem está sendo ocupado pela distopia tecnocrática, comandada pela metafísica do mercado. Eis porque, defendi neste ensaio a necessidade de uma mudança na linguagem pedagógica e sugeri - embora com uma certa descon-fiança - que a literatura nos conduzisse nesta aventura, embora nada possa dizer a respeito do que nos espera ao fim de tal empresa. Se sugeri que a estrutura narrativa da obra literária pode nos fornecer elementos - para além do político - de reconstituição do espaço público e das subjetividades individuais, é porque aqui, parece-me, reside um fertilíssimo terreno onde apoiar a noção kantiana e arendtiana de pensamento representativo: o descen-tramento que dá ao espaço público sua condição decisivamente política, que é a disputa com outros pontos de vista sobre os significados do mundo comum.
Não sei se isto serve de consolo àqueles que, por acaso, veem neste ensaio um libelo desesperado diante de um mundo em vias de desaparecer, mas, ao absurdo de empurrar interminavelmente nossas pedras montanha acima, segue-se sempre o momento da contemplação e da consciência quando elas rolam ladeira abaixo. O que não podemos desconhecer é que a falta de familiaridade com o mundo (o “absurdo” camusiano) atingiu o coração de nossa instituição escolar, espremida entre o fracasso das promessas demiúrgicas de uma modernidade que já se vai e a necessidade de novas ilusões.
SOBRE O AUTOR:
Flávio Brayner - É graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1979), mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1985) e Doutor em Sciences de L' Education - Université Paris V - René Descartes (1993) e Pós-Doutor em Sciences de L´ Education pela Université de Paris VIII - Saint Denis (2000). Atualmente é Professor Titular de Fundamentos da Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: cidadania, espaço público, escola pública, republicanismo. Desenvolve ainda, pesquisa na área de literatura e educação. É membro do Comitê Científico da Anped (GT 06, 2010-2012); foi maître de Conférence Invité da Universidade de Montpellier III (2001-2003) e secretário adjunto de Educação da Cidade de Recife (2009). É vice-diretor do Centro de Educação da UFPE (2012-2016), coordenador do GT 06 / Educação Popular (ANPED, 2012-2014), membro do Grupo de Apoio ao Planejamento Estratégico da UFPE (2013), vice-coordenador do GT 06 (Educação Popular) da ANPEd (2014-2016), membro do Conselho Editorial da Ed. Massangana (Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. MEC) e membro do Conselho Editorial da Ed. Universitária (UFPE).
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