Fruto de trinta anos de pesquisa de campo e em arquivos, este livro de Robin Wright é leitura imprescindível para os interessados nas sociedades indígenas do Rio Negro e em sua história. Sua publicação é duplamente oportuna. Por um lado, reúne trabalhos anteriormente publicados em revistas especializadas ou livros, em português ou inglês, nem sempre de fácil acesso. Por outro, e de maneira ainda mais importante, os apresenta, ampliados e aprimorados. Escritos em diferentes momentos de uma carreira dedicada à reflexão sobre os povos do rio Negro – em particular sobre os Baniwa do Rio Aiary – esses artigos são agora retomados, revistos e encadeados, de maneira a compor um quadro da história regional que parte dos primeiros tempos da colonização e nos conduz até o presente. Trata-se de um vigoroso esforço de reconstrução histórica, e que não se restringe a iluminar as formas e os processos de colonização, mas, sobretudo, de avaliar o quanto pesaram sobre os povos da região e as estratégias por eles adotadas em diferentes circunstâncias históricas.
Após uma introdução geral sobre a etnologia e a arqueologia do Alto Rio Negro, o primeiro capítulo, baseando-se em documentos inéditos do século XVIII, trata das primeiras ações dos portugueses no Rio Negro e da escravização dos índios da região. No capítulo seguinte, privilegia-se a tradição oral e as relações entre os próprios índios, no qual o autor se concentra em uma série de narrativas Baniwa sobre suas guerras e alianças com outros povos da região. Seguem-se os três capítulos centrais, onde encontramos uma minuciosa reconstrução da história dos movimentos proféticos que eclodiram na região de meados do século XIX até meados do século XX. Aqui, o interessante é notar como a apropriação de alguns elementos da religião dos brancos pela via do xamanismo passa a influenciar as relações dos índios entre si, bem como a fornecer novos meios para fazer frente à opressão. A conversão dos Baniwa ao protestantismo a partir de então é o tema do capítulo seguinte, no qual a personagem principal é a missionária norte-americana Sofia Muller, cuja influência sobre os Baniwa surpreende até os dias de hoje. A analogia, do ponto de vista Baniwa, entre esta figura e os antigos profetas indígenas é patente, e em grande medida explica o sucesso do proselitismo evangélico junto à maior parte das comunidades dessa etnia. O penúltimo capítulo, “Novas Guerras”, analisa a política indigenista decorrente da implantação do Projeto Calha Norte e das mineradoras no Alto Rio Negro nos anos 80. Finalmente, há um guia de fontes escritas para a história indígena da região que fornece subsídios para futuras pesquisas.
Os povos indígenas da região do Alto Rio Negro no Brasil têm experimentado mais de dois séculos e meio de contato. Durante todo esse tempo, têm lidado com o homem branco em seu território das mais diversas maneiras, inclusive se organizando em movimentos sócio-religiosos liderados por poderosos profetas que buscaram salvar os povos da destruição e, mais recentemente, em uma Federação regional com mais de cinqüenta associações locais afiliadas a ela para lutar por seus direitos. Baseado em trinta anos de pesquisa em arquivos e entre os povos da região, especialmente os Baniwa do Rio Aiary, este livro conta a história indígena e do indigenismo do Alto Rio Negro. Pretende servir como referência para os professores e pesquisadores indígenas e não-indígenas, historiadores, estudiosos da religião e das ciências sociais e indigenistas.
Robin M. Wright é professor livre-docente do Departamento de Antropologia e diretor do Centro de Pesquisas em Etnologia Indígena do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.
(capa e projeto gráfico: Vande Rotta Gomide
|