A relação entre imagem e memória, assunto central deste livro, tem sido frequentemente tematizada nos últimos anos. Se pensarmos em uma longa duração, poderíamos incluir como antecedentes dessa onda, autores como Bergson, Proust, Aby Warburg, Freud, Maurice Halbwachs, Walter Benjamin bem como, mais perto de nós, Vilém Flusser. Imagens e a memória ocupam um lugar central no pensamento de todos eles.
Benjamin, em um fragmento de seu volume Rua de mão única, abordara esse tema de modo desconcertante: “Só alimenta vitalmente a vontade a imagem representada. Com a mera palavra, em contrapartida, ela pode no máximo inflamar-se, para em seguida continuar a arder chamuscada. Não há vontade sã sem a exata representação imagética. Não há representação sem inervação.” Essa alimentação da vontade pelas imagens faz pensar que em um mundo saturado de imagens como o nosso, nossas vontades também estariam como que obesas. Precisamos, portanto, refletir sobre a relação entre imagens e memória também para desconstruir esse excesso. Para buscar uma economia de imagens e da memória. Não por acaso pensamos, ao ler este volume, no atual tema da ética da representação. Sem pretensão a criar códigos, essa ética é um exercício de depuração. Se o que vai desaparecer transforma-se em imagem, nosso mundo superimagético é um espectro de si mesmo. A crítica das imagens vem aqui a serviço de um exorcismo de nosso glutonismo imagético. Daí neste livro enfrentarmos de modo estratégico temas como a relação entre imagem, memória, esquecimento, violência, anacronismo das imagens, a efemeridade da arte contemporânea (em sua reação iconoclasta ao excesso de imagens), a imagem cênica, o gênero policial e o testemunho. A uma era pós catástrofes e com mais violências que se fazem repetir mimeticamente, cabe uma reflexão profunda sobre a memória imagética e sobre os testemunhos em todas suas modalidades de inscrição.
Poderíamos pensar que a atual reflexão sobre as imagens nasce de um encontro entre o excesso de imagens e a dificuldade de encontrar imagens para apresentar a catástrofe. Partindo do conceito estético de sublime, devemos pensar em que medida certas imagens também remetem ao indizível mas não por uma falta, mas por conta de um excesso. Essas hiperimagens a que me refiro, são na verdade inimagináveis. Elas tendem a um campo da inscrição mnemônica que não é nem o do simbólico, nem o da imaginação. São como marcas do real, ou seja, manifestação daquilo que consideramos o insim-bolizável e o inimaginável. Essas imagens são tanto visuais e podem ser contempladas por todos, sem perder sua característica de hiperimagem, como também são “não-imagens privadas”, que foram como que cauterizadas na parede da memória de indivíduos ou de coletividades. Elas têm por característica uma particular resistência ao tempo, apesar de não podermos dizer que sejam imagens da memória em um sentido estrito, já que são também, a seu modo, imagens do esquecimento. Elas são hipervisíveis no sentido de serem ao mesmo tempo visíveis e guardarem algo que vai além do registro do visual. Hiperimagens normalmente estão ligadas a fatos que possuem uma fortíssima carga emocional. Estamos falando de imagens gorgôneas, petrificantes, como se nelas o real tivesse se petrificado e possuíssem a capacidade de nos contaminar com essa disposição ao estarrecimento. A intensidade emocional ligada a essas imagens normalmente tem uma origem em fatos violentos, muitas vezes relacionados à morte. Procuro, assim, ler nesta obra que o leitor tem em mãos, um escudo/espelho de Perseu, uma metaimagem que nos ajuda a nos aproximar dessas imagens congeladas que, a nossa revelia, nos determinam.
SOBRE AS ORGANIZADORAS
Maria Bernardete Ramos Flores - Doutora em História pela PUC/SP. Professora Titular na Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora 1C do CNPq. Publicações mais recentes: Livro: Tecnologia e estética do racismo. Ciência e Arte na Política da Beleza. Chapecó, SC: Argos, 2007. Organização de Coletâneas: Encantos da imagem (co-org.). Florianópolis: Cia das Letras, 2010. Movimentos artísticos, correntes intelectuais (co-org). Campinas/SP: Mercado de Letras, 2011. Estética e Modernidade. Modernização de Santa Catarina (co-org.). Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. Artigos: “Xul Solar e o Brasil - Sobre uma Biblioteca muito particular”, Eadem Utraque Europa. Buenos Aires, 2010. “Sobre a Vuelvilla de Xu Solar: técnica e liberdade no Reino do Ócio ou a Revolução Caraíba”, ArtCultura, Uberlândia, 2010.
Patricia Peterle Figueiredo Santurbano possui graduação em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1999), mestrado em Letras Neolatinas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) e doutorado em Estudos Literários Neolatinos, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Pós-Doutorado em História, em andamento, pela UNESP-Assis. É professora adjunto do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras e dos programas de Pós-Graduação em Literatura e Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tem experiência nas áreas de Literatura Comparada e Literatura Italiana, atuando principalmente nos seguintes temas: Século XX, Categorias do contemporâneo, Literatura e Censura. É Vice-Coordenadora do GT de Literatura Comparada da ANPOLL (2011-2012).
SOBRE OS AUTORES
Adriano Luiz Duarte fez mestrado em sociologia pela USP, doutorado em história social pela Unicamp e pós-doutor em história pela New York University. É autor do livro Cidadania em exclusão e de vários artigos em revistas nacionais e estrangeiras sobre os temas, trabalho, cultura política e cidadania. É membro do GT nacional Mundos do Trabalho da ANPUH, desde sua fundação, e professor de história do Brasil e história contemporânea na Universidade Federal de Santa Catarina. Atua no Programa de Pós-Graduação em História da UFSC. Pesquisador do CNPq.
Alexandre Montaury é professor de Literatura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pesquisador da Cátedra Padre António Vieira de Estudos Portugueses (PUC-Rio / Instituto Camões), pesquisador do CNPq (PQ- 2) e Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ). Atua no Programa de Pós-Graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade no Departamento de Letras da PUC-Rio e desde 2006 tem coordenado projetos de pesquisa cujos resultados parciais têm sido divulgados em ensaios, artigos científicos e capítulos de livro, a partir de estudos comparativos das literaturas e culturas em língua portuguesa.
José Emílio Burucúa Nasceu em 1946, em Buenos Aires. Estudou história da arte e história da ciência com Hector Schenone, Del Carlo Bravo e Paolo Rossi, na Itália. É doutor em Filosofia e Letras na Universidade de Buenos Aires (1985). Na mesma instituição, foi nomeado professor de história moderna, cargo que ocupou até 2004. Foi diretor do Centro de Producción e Investigación en Conservación y Restauración Artística y Bibliográfica de la UNSAM, entre de 2004 e de 2008. Atualmente, é Profesor Titular de Problemas de Historia Cultural na Escuela de Humanidades de la Universidad Nacional de General San Martín. É membro da Academia Nacional de Bellas Artes, da Argentina. É diretor da revista Eadem utraque Europa, publicada pelo Centro de Historia Cultural e Intelectual "Edith Stein" de la UNSAM. Tem trabalhado em torno da história do riso na Europa renascentista, sobre o qual publicou o livro Cordeiros y elefantes. Nuevos aportes acerca del problema de la modernidad clásica (2001). Em 2003, publicou pelo Fondo de Cultura Económica Historia, arte, cultura: De Aby Warburg a Carlo Ginzburg. Em 2006, Historia y ambivalencia: Ensayos sobre arte, pela Biblos. Em 2007, La imagen y la risa. Las Pathosformeln de lo cómico en el grabado europeo de la modernidad temprana, pela Periférica, de Cáceres (España). Em 2008, Adriana Hidalgo publicou suas Cartas Norteamericanas. Em 2011, Periférica deu a conhecer seu livro Enciclopedia B-S. Un experimento de historiografía satírica.
Emerson Dionisio Gomes de Oliveira – Doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB,2009). Professor do Departamento de Artes Visuais e do Programa de Pós-graduação em Arte da UnB. Docente consorciado do curso de Museologia na mesma instituição. Autor do livro Museus de Fora (Zouk, 2010) e de dezenas de artigos e ensaios na área de história e crítica da arte. Desenvolve pesquisas a partir dos temas: arte moderna contemporânea, instituições artísticas e historiografia da arte.
Fábio Francisco Feltrin de Souza é doutor em História Cultural pela UFSC e professor adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul (Campus Erechim), onde é coordenador do Núcleo de Estudo Leituras de Foucault: Problematizações Contemporâneas. É professor de História da América Independente e História Moderna. Suas pesquisas e publicações versam sobre modernidades, discurso de nação e teoria da imagem.
Fernando Boppré é mestre em História Cultural pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina. Desde 2008, é coordenador do Programa de Ação Cultural e de Exposições do Museu Victor Meirelles, do Instituto Brasileiro de Museus, do Ministério da Cultura. Também realiza curadorias independentes e escreve textos ora críticos, ora ensaísticos para publicações diversas. Foi coordenador geral da exposição "Franklin Cascaes: desenhos e esculturas", ocorrida em 2010 no Museu Histórico de Santa Catarina. É diretor dos filmes "Tem Drama na União" (2004), "Pequenos Desencontros" (2011) e "Ovonovelo" (em montagem). Desde 2006, mantém o blog Arte por Extenso (www.fernandoboppre.net) e desde 2011 é autor da coluna "Penso", no caderno Cultura, do jornal Diário Catarinense. Nas horas vagas, gosta de desenhar e cuidar de plantas.
Filomena Chiaradia é atriz, doutora em Artes Cênicas (UNIRIO) e pesquisadora do Centro de Documentação e Informação da Fundação Nacional das Artes – Cedoc/FUNARTE. Realizou pesquisas históricas e iconográficas para diversas publicações, como “Copacabana Palace – um hotel e sua história”, de Ricardo Boechat e “Laboratório Leite de Rosas”, de Ignácio Loyola Brandão, entre outras. Seu interesse pelo teatro musicado brasileiro se inicia em curso de pós-graduação lato sensu sobre Teatro Musicado Brasileiro (UNIRIO,1989); edição de Guia de Fontes Teatro de Revista (IBAC, 1992); em dissertação de mestrado (UNIRIO, 1997) A Companhia do Teatro São José: a menina-dos-olhos de Paschoal Segreto (Hucitec, no prelo) e na tese de doutorado Iconografia teatral: acervos fotográficos de Walter Pinto e Eugénio Salvador (Funarte, 2011), além de artigos sobre o tema publicados em revistas e livros: Folhetim (n.4, 1999); Sala Preta (n.3, 2003); Texto e imagem: estudos de teatro (7Letras, 2009) e Teatro e comicidades 3 (7Letras, 2010).
Jeanne Marie Gagnebin nasceu em Lausanne (Suiça) em 1949. Estudou filosofia, literatura alemã e grego antigo na Universidade de Genebra. Concluiu o doutorado em filosofia na Universidade de Heidelberg (Alemanha) em 1977. Vive e leciona no Brasil desde 1978. Vários estágios de Pós-doutorado em Konstanz, Berlin e Paris. Coordena a edição crítica de textos de Walter Benjamin na Editroa 34, São Paulo. Atualmente é professora titular de filosofia na PUC/SP e livre-docente em teoria literária na Unicamp. Principais publicações: Zur Geschichtsphilosophie Walter Benjamins, Erlangen, 1978. Walter Benjamin. Os Cacos da História, São Paulo, 1982. Histoire et narration chez Walter Benjamin, Paris, 1994 (trad. br. História e Narração em Walter Benjamin, São Paulo, 1994; trad. alemã Geschichte und Erzählung bei Walter Benjamin, Würzburg, 2001). Sete Aulas sobre Memória, Linguagem e História, Rio de Janeiro, 1997. Lembrar. Escrever. Esquecer, São Paulo, 2006.
José Alves de Freitas Neto. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Doutor em História Social pela USP (2002). É bolsista produtividade do CNPq (PQ-2), com o projeto “Bagatelas del momento: o Salão Literário de Buenos Aires e a publicação de La Moda (1837-1838)”. Desenvolve pesquisas e orienta trabalhos de graduação e pós-graduação relacionados à cultura e política na América Latina contemporânea. Dentre as principais publicações estão Bartolomé de Las Casas: a narrativa trágica, o amor cristão e a memória americana (Annablume, 2003) e, em coautoria, A Escrita da Memória (ICBS, 2004) e História Geral de do Brasil (Harbra, 2006), além de diversos artigos sobre os temas relacionados à História da América.
Karl Erik Schøllhammer é professor associado e Diretor do Departamento de Letras da PUC-Rio. Pesquisador com bolsa de produtividade do CNPq. Foi Cientista do Nosso Estado da Faperj (2007-2009). É co-autor e editor de vários livros, entre eles: Linguagens da Violência (2000), Novas Epistemologias (2000), Literatura e Mídia (2002), Literatura e Cultura (2003), Literatura e Imagem (2005), Literatura e Memória (2006), Henrik Ibsen no Brasil (2008), Literatura e Critica (2009) e Literatura e Realidade(s) (2010), Atrocity Exhibition (2011). De autoria integral os títulos mais recentes são Além do visível - o olhar da literatura (2007), Ficção brasileira contemporânea (2009, 2011) e A crueldade do Real (prelo).
Maria Angélica Melendi é professora, pesquisadora e artista visual. Doutora em Literatura Comparada pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Na atualidade é professora associada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da UFMG e Pesquisadora do CNPq. Nos últimos anos vêm investigando as relações entre memória, arte visual, literatura e política na América Latina, assunto sobre o qual tem publicado artigos em livros, jornais e revistas acadêmicas nacionais e internacionais.
Maria de Fátima Fontes Piazza. Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina; Doutora em História pelo PPGH/UFSC, com a tese "Os afrescos nos trópicos: Portinari e o mecenato Capanema"; desenvolve pesquisa sobre História dos Intelectuais, com ênfase em estudos epistolográficos, revistas culturais e artes visuais.
Maria Helena Werneck é professora da Escola de Teatro, da Escola de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO. É autora do livro O Homem Encadernado. A escrita das biografias de Machado de Assis (2ª. Ed..EdUERJ, 2008), Organizou, com Maria João Brilhante o livro Texto e Imagem. Estudos de Teatro (Ed. 7Letras, 2009) e publicou ensaios, entre os quais destacam-se: "O Bando: um teatro de formas no ar" (Revista Sala Preta. USP; ECA, n.9, 2009); “Espaço Teatral. A literatura e as imagens em cena” (Espécies de Espaço. Territorialidades, Literatura e Mídia. Ed. UFMG, 2008); “Realismo e palavra brutal: Harold Pinter no Brasil”, (Sinais de Cena. Lisboa: APCT; CET-Univ. de Lisboa, junho 2008); “Depois da Barca, cenas de outros infernos nas dramaturgias de Oduvaldo Vianna Filho e José Cardoso Pires” (Revista Semear n.8. Rio de Janeiro: Cátedra Pe. António Vieira de Estudos Portugueses, 2003). É Pesquisadora do CNPq.
Maraliz de Castro Vieira Christo é professora de História da Arte da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. Foi bolsista da Foundation Getty junto ao Institut National d’Histoire de l’ Art de Paris (2004). Doutora em História pela UNICAMP, recebeu o Grande Prêmio Capes de Tese em 2006 (concedido à melhor tese defendida em 2005 no conjunto das grandes áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Lingüística, Letras e Artes). Pós-doutorou-se em História Comparada na Universitat Jaume I de Castelló, Espanha, e na Escuela Nacional de Antropología e Historia-INAH, México (2009). Possui várias publicações sobre a arte brasileira e latino-americana do século XIX.
Vera Collaço - Em minha vida acadêmica e profissional entrelacei com constância duas áreas de conhecimento: Teatro e História. O enlace começou em 1972. Na década de setenta obtive o titulo de mestre em teatro, com dissertação sobre a história do teatro catarinense, pela USP/SP. Na década seguinte participo da criação da Fundação Catarinense de Cultura, e do primeiro curso de teatro de SC, da UDESC. Na entrada do século XXI faço doutorado em História Cultural, UFSC. Tese publicada: O teatro da União Operária - Um palco em sintonia com a modernização brasileira. Hoje atuo na graduação, e também nos cursos de Mestrado e Doutorado em Teatro da UDESC, onde desenvolvo pesquisa sobre Teatro de Revista e o teatro brasileiro no século XX.
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