Em 31 de maio de 1860, o Ministro da Instrução Pública e dos Cultos, Gustave Rouland, manifesta aos Governadores sua satisfação com os progressos da Instrução e, mais particularmente, com os esforços feitos pelos municípios para se dotar de “casas de escola” modernas e em conformidade com as resoluções de um governo que hesita entre o autoritarismo e o liberalismo. A construção de verdadeiras salas de aula, bem iluminadas e arejadas, amplas o suficiente para que se possam instalar algumas mesas e um quadro-negro, é um objetivo ambicioso que interessa ao Ministro. A higiene dos corpos deve ajudar a educação das almas. A lei Falloux dera um lugar essencial à formação religiosa, mas o esforço de instrução, que tinha sido o credo dos doutrinários da Monarquia de Julho, não foi, por essa razão, negligenciado. Ora, para instruir – Guizot havia mostrado a justeza desse raciocínio – é necessário quadros-negros, mesas, penas, papel, mas também livros. Nesse domínio, as municipalidades não estavam à altura daquilo que o Estado esperava. Os manuais didáticos, produzidos com grandes custos na primeira metade do século e distribuídos às escolas, perderam-se ou estragaram-se em mãos inábeis. Os quadros-murais impressos, em torno dos quais reuniam-se crianças para ler, estavam fora de uso. Os professores não sabiam administrar seu patrimônio instrumental, preservá-lo dos desgastes do tempo e das manipulações dos alunos. Era preciso solucionar essa questão.
Com esse objetivo, Gustave Rouland desejaria – e os Governadores devem assegurar-se de que isso foi bem compreendido – que cada prefeito se esforçasse para instalar, nos muros novos de sua escola, o mobiliário necessário e, em primeiríssimo lugar, “uma pequena biblioteca-armário, destinada à conservação dos livros, dos cadernos e dos quadros impressos para uso da escola”. Para mobilizar as energias e forçar os hesitantes o Ministro acrescenta: “No futuro, todo projeto de construção ou aquisição de escola, para cuja execução se solicite auxílio, deverá ser acompanhado de um orçamento especial de despesas relativas ao mobiliário escolar, no qual será incluída, prioritariamente, uma biblioteca” (ibid). Um projeto do objeto é anexado à circular. É um belo armário de dois batentes de 1 metro de largura e 1,90 de altura, solidamente fixado em um pedestal que o ultrapassa bastante e incrementado, na parte superior, com um ornamento simples mas bem desenhado. As quatro bordas superpostas que compõem o batente superior podem ser envidraçadas ou fechadas com madeira. Cada um de nós terá reconhecido, nessa descrição, os antigos armários das salas de aula de nossa infância.
Assim, é pelo desvio de uma medida destinada a assentar materialmente o desenvolvimento da escolaridade, dez anos após a lei Falloux, que um Ministro da Instrução Pública do Segundo Império coloca em funcionamento a primeira rede de bibliotecas populares. Com efeito, o armário-biblioteca não tem apenas a função de preservar os instrumentos do professor, mas foi pensado, de início, como o núcleo de uma instituição de leitura destinada prioritariamente às populações pouco familiarizadas ou não familiarizadas com o impresso, e deveria, depois, se impor em cada um dos 36.000 municípios do território nacional. A esse respeito, a circular de 1860 não deixa dúvida:
“A aquisição de uma biblioteca é o ponto de partida para a concretização de um pensamento que, há muito tempo, foi objeto dos mais legítimos esforços. Dotar as populações trabalhadoras de um acervo de obras interessantes e úteis é uma necessidade que, a cada dia, faz-se sentir mais seriamente. Uma vasta organização de bibliotecas municipais responderia a esse objetivo, mas essa organização apresenta dificuldades que apenas a cooperação de múltiplos desejos e sacrifícios permitiria resolver completamente.” (“Circular aos Governadores”, de 31 de maio de 1860, in: P. Rosanvallon, Le Moment Guizot, Paris, 1985.
Traduzido por Maria de Lourdes M. Matencio, a partir do original em francês “Les bibliothèques escolaires, Histoire des bibliothèques françaises”, tomo 3, Les bibliothèques de la revolution et du XIXe siècle: 1789-1914. Dominique Vary (org.), Paris: Éditions du Cercle de la Libraire-Promodis, 1991, pp. 547-577.
Publicado inicialmente na obra “Educação, Memória e História: Possibilidades, leituras” organizado por Maria Cristina Menezes, (Mercado de Letras 2003), este texto de Jean Hébrard é um trabalho criativo e inovador.