Esta obra reúne estudos originais de pesquisadores brasileiros sobre interação em cenários institucionais a partir da tradição de pesquisa da Análise da Conversa Etnometodológica (ACE). Os propósitos principais são oferecer material, em língua portuguesa, sobre essa perspectiva teórico-metodológica e revelar seu potencial para analisar interações institucionais. Os universos institucionais analisados são particularmente os cenários jurídico e escolar. Ganham destaque, neste volume, as seguintes noções, introduzidas em “Fala-em-interação: introdução à Análise da Conversa Etnometodológica”, anteriormente publicado: relevância seqüêncial, sistemática de tomada de turnos e organização de reparo. Além disso, a discussão sobre identidades em cenários institucionais perpassa todos os capítulos deste volume e é centralmente tematizada em alguns capítulos em articulações com a Análise de Pertencimento a Categorias (Membership Categorization Analysis) e com a Sociolingüística Interacional. Nosso público-alvo são estudantes e pesquisadores não apenas das áreas de Letras e Lingüística, mas também de Educação, Sociologia, Antropologia e Comunicação, que estejam interessados em refletir sobre o uso da linguagem na fala-em-interação social.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Capítulo 1
FALA-EM-INTERAÇÃO COTIDIANA E FALA-EM-INTERAÇÃO INSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DE AUDIÊNCIAS CRIMINAIS
Márcia Del Corona
Capítulo 2
A NOÇÃO DE RELEVÂNCIA SEQUENCIAL: CONSTRUINDO IDENTIDADES MASCULINAS NA SALA DE AULA
Alexandre do Nascimento Almeida
Capítulo 3
A ORGANIZAÇÃO DE TOMADA DE TURNOS: SOCIALIZAÇÃO EM SALA DE AULA
Neiva Maria Jung
Patricia Covaleski Gonzalez
Capítulo 4
REPARO, CORREÇÃO E AVALIAÇÃO NA FALA-EM-INTERAÇÃO EM SALA DE AULA
Paola Guimaraens Salimen
Luciana Etchebest Conceição
ÍNDICE GERAL
RESUMO DAS CONVENÇÕES DE TRANSCRIÇÃO JEFFERSON
INTRODUÇÃO
Dando continuidade ao empreendimento já iniciado com o volume Fala-em-interação: introdução à Análise da Conversa Etnometodológica (Loder e Jung 2008), a presente obra reúne relatos de estudos originais sobre interação em alguns cenários institucionais a partir do arcabouço da Análise da Conversa Etnometodológica (ACE). Enquanto Loder e Jung (2008) se propõem a introduzir algumas das noções basilares em ACE, na presente obra, pretende-se expor como é possível operacionalizar algumas daquelas noções na análise de aspectos específicos de cenários particulares. Tratam-se, portanto, de obras complementares.
Em ACE, a pedra fundamental da socialidade é a fala-em-interação cotidiana (Sacks, Schegloff e Jefferson 2003[1974]; Garcez 2008), foco de estudos iniciais na área e também de muitos trabalhos contemporâneos. No entanto, mais recentemente, vem recebendo maior destaque o estudo de interações institucionais. A ampla repercussão da coletânea organizada por Drew e Heritage (1992), com estudos de interações institucionais diversas, ilustra a importância e a produtividade dessas pesquisas no plano internacional. Esses estudos da fala-em-interação institucional vêm apresentando conclusões e levantando discussões bastante reveladoras para várias áreas de conhecimento. No Brasil, também é expressivo o número de estudos que vêm sendo desenvolvidos em ACE acerca de interações em instituições, muitos deles resultando em dissertações de mestrado e teses de doutorado (Del Corona 2000; Ostermann 2002; Barbosa 2003; Oliveira e Pereira 2005; Silveira e Gago 2005; Garcez 2006; Freitas 2006; Rosa 2008; Silveira e Magalhães 2008).
Congregando, então, os propósitos de oferecer material sobre a ACE em língua portuguesa e de evidenciar sua relevância nas análises em cenários institucionais, decidiu-se por compor o presente volume. Uma vez mais, nosso público-alvo são estudantes e pesquisadores que, interessados no universo da análise interacional, desejem conhecer a perspectiva de análise da ACE. O intuito aqui foi de tornar as discussões e as análises o mais acessíveis possível partindo-se da exposição de alguns trabalhos analíticos sobre dados em língua portuguesa.
Embora este não seja o espaço de definir em detalhe o que é “fala-em-interação institucional” (um tratamento mais detalhado à questão será dado no primeiro capítulo deste volume), desejamos indicar, em linhas gerais, seu escopo. Em ACE, muitas vezes observa-se que algumas interações, quando comparadas a outras, têm uma organização sequencial particular (por exemplo, com relação à tomada de turnos – Sacks, Schegloff e Jefferson 2003[1974] –, à organização da preferência – Pomerantz 1984 –, à ocorrência de reparos – Schegloff, Jefferson e Sacks 1977). Além disso, observa-se que, muitas vezes, essas interações estão relacionadas à realização de atividades rotineiras de instituições (por exemplo, a co-construção de uma consulta médica, de um interrogatório policial etc.). Nesses casos, em que aspectos interacionais particulares associam-se a atividades particulares de determinadas instituições, temos o que se chama, em ACE, de fala-em-interação institucional. Cabe destacar, no entanto, que em ACE os estudos desses aspectos devem basear-se no sentido que os participantes da interação estão dando para a realização das atividades que estão sendo co-construídas, e não em simples especulações apriorísticas.
Na literatura especializada, ao destacar as particularidades observadas, é comum apresentar as interações institucionais em contraste com as chamadas interações cotidianas. O uso contrastivo dos adjetivos “cotidiano” e “institucional” poderia fazer crer que as interações associadas a instituições não são cotidianas, no sentido de não fazerem parte do cotidiano das pessoas. É preciso destacar que não é esse o sentido que “cotidiano” adquire em ACE. O adjetivo “cotidiano” aqui identifica todo o tipo de interação que não está associado especificamente a nenhuma rotina institucional ou a identidades específicas (conferir Schegloff 1999, pp. 408-413). Portanto, é fundamental ter em mente esse entendimento do termo “fala-em-interação cotidiana” nas discussões apresentadas nos capítulos deste volume (conforme discutido em detalhe em Freitas e Machado 2008; Loder 2008).
Entretanto, cabe uma observação; embora muitas vezes haja distinções entre as organizações de interações cotidianas e institucionais, essas distinções não necessariamente estão sempre presentes. Sob diversos aspectos, as interações cotidianas podem se assemelhar às interações institucionais. Portanto, embora o contraste “cotidiano-institucional” seja produtivo, ele tem limites. É também no intuito de evidenciar o alcance e as limitações das particularidades de interações institucionais que o presente volume centra-se em análises de interações associadas a cenários institucionais.
Em termos de sua estruturação, esta obra está assim organizada: no capítulo 1, discute-se a pertinência de distinguir interações institucionais de cotidianas, oferecendo algumas balizas acerca dessa distinção, acompanhadas de excertos ilustrativos de interação em um contexto jurídico; e, nos capítulos 2, 3 e 4, os autores partem da perspectiva contrastiva delineada no primeiro capítulo e exploram especificamente algumas das noções basilares em ACE apresentadas em Loder e Jung (2008): no segundo capítulo, discute-se a noção de relevância sequencial/sequencialidade; no terceiro capítulo, a organização da tomada de turnos; e, no quarto capítulo, a organização de reparo. Nos capítulos 2, 3 e 4, as interações enfocadas são escolares (particularmente envolvendo crianças em cenários de ensino regular).
Nesse universo de interações institucionais, ganha bastante destaque a discussão em torno da noção de identidade, de como os interagentes, no fazer interacional, apresentam-se e co-constroem suas posições. A discussão sobre identidades em cenários institucionais perpassa todos os capítulos deste volume. No entanto, é mais centralmente tematizada no segundo capítulo (em que se articula a análise sequencial com a Análise de Pertencimento a Categorias, a partir de Sacks) e no terceiro capítulo (em que entram em jogo a análise sequencial e a análise identitária a partir do referencial da Sociolingüística Interacional).
O fato de que os capítulos deste volume estão dedicados à discussão de interações em apenas dois tipos de cenários (jurídico e escolar) não significa que somente estes universos podem ser investigados. O intuito deste volume é apenas fazer uma breve apresentação de alguns caminhos que a pesquisa interacional de fala-em-interação institucional pode tomar. O propósito foi não tanto tematizar as especificidades das interações ilustradas, mas mais propriamente o potencial revelador desse tipo de análise para iluminar o que ocorre nesses cenários.
Assim como em Loder e Jung (2008), todos os capítulos contêm análises interacionais calcadas em transcrições de acordo com o modelo Jefferson (Sacks, Schegloff e Jefferson 2003[1974], pp. 731-734), de modo que ter familiaridade com suas convenções será importante para o leitor acompanhar as análises. Um resumo das principais convenções está apresentado ao final deste volume. O presente volume conta, também, com um Índice Geral ao final, permitindo a localização rápida de tópicos de interesse.
A existência deste volume só foi possível com a colaboração e o trabalho das seguintes pessoas, a quem deixamos nosso profundo agradecimento: os autores dos capítulos – Márcia Del Corona, Alexandre do Nascimento Almeida, Patricia Covaleski Gonzalez, Paola Guimaraens Salimen e Luciana Etchebest Conceição –, que generosamente compartilharam seus trabalhos; Pedro M. Garcez, que fez a leitura e revisão técnica dos capítulos; Alexandre do Nascimento Almeida, que colaborou na formatação do livro na fase inicial do projeto; o Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que contribuiu para a viabilização deste volume; a Editora Mercado de Letras e sua equipe, que apostaram neste trabalho; e nossos familiares e amigos, que nos deram apoio e estímulo para que pudéssemos concretizar esse projeto com convicção e entusiasmo.
Por fim, reiteramos nosso desejo de que este material possa instigar discussões, questionamentos e desenvolvimento de novos trabalhos, e nossa disposição em receber comentários, reflexões, críticas e discordâncias de nossos leitores, pois é isso o que faz sempre fértil um bom diálogo acadêmico.
PARTICIPAM DA COLETÂNEA:
As organizadoras:
Letícia Ludwig Loder (org.) é bacharel em Letras e mestre em Lingüística Aplicada (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Suas áreas de interesse em ACE incluem estudos da fala-em-interação cotidiana e fundamentos da Etnometodologia. (leticialoder@terra.com.br)
Neiva Maria Jung (org.) é doutora em Letras (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Atualmente, atua na graduação em Letras na Universidade Estadual de Ponta Grossa e no Programa de Pós-Graduação em Letras na Universidade Estadual de Maringá. Seus interesses em pesquisa centram-se em questões de fala-em-interação, construção de identidades sociais, letramento e multilingüismo. (neivajung@yahoo.com.br)
Demais autores:
Alexandre do Nascimento Almeida é professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e da rede municipal de ensino de Porto Alegre. É mestre em Aquisição da Linguagem (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutorando em Lingüística Aplicada na mesma instituição. Seus interesses de pesquisa incluem identidades sociais, gênero e sexua-lidade, fala-em-interação em contextos institucionais, ensino de língua materna e estrangeira. (alexandrea@ufcspa.edu.br)
Luciana Etchebest Conceição é bacharel em Letras (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e mestre em Lingüística Aplicada (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Atualmente atua como professora de Língua Inglesa em curso livre. Tem interesse na relação entre ACE e fala-em-interação de sala de aula. (lucianaetcon@yahoo.com.br)
Márcia de Oliveira Del Corona é mestre em Letras (Universidade Federal de Santa Catarina) e doutoranda em Lingüística Aplicada (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), onde atua como professora no curso de graduação em Letras. Seus interesses em pesquisa centram-se em estudos de fala-em-interação em contextos institucionais. (Macorona@terra.com.br)
Paola Guimaraens Salimen é licenciada em Letras (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Mestre em Lingüística Aplicada (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Tem interesse em análise interacional de sala de aula e planejamento de tarefas pedagógicas. É professora de língua inglesa em escola regular. (paola.guimaraens@gmail.com)
Patrícia Covaleski Gonzalez é graduada em Letras (Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Imaculada Conceição FIC/UNIFRA), Graduada em Fonoaudiologia (Universidade Federal de Santa Maria) e mestre em Estudos da Linguagem (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). (europatgonzalez@yahoo.com)