A obra do suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), considerado o fundador da Lingüística de grande influência nas ciências humanas, em muitos aspectos, permaneceu intocada. O Curso de Lingüística Geral (1916) não foi escrito por ele. Foi fruto de uma edição a partir de alguns de seus manuscritos e notas de alunos, fato esse que, atualmente, tem merecido discussões calorosas por parte de autores que se dividem no julgamento do trabalho dos editores. Além disso, as aulas que deram origem às notas que serviram de material para a edição não resumem a produção do lingüista genebrino. Ele escreveu quase dez mil folhas, hoje arquivadas, na sua maioria, na Biblioteca Pública de Genebra e uma pequena parte na Houghton Library, da Universidade de Harvard. O trabalho sobre esses manuscritos deu origem a um entendimento da produção do lingüista como uma dicotomia: “o Saussure noturno”, revelado por alguns manuscritos, e o “Saussure diurno”, o das aulas que deram origem ao Curso de Lingüística Geral. O trabalho com os manuscritos, ainda hoje, tem rendido uma querela sobre o “verdadeiro Saussure”. Nessas discussões, freqüentemente se esquece a importância da gramática comparativa, escola em que Saussure se formou.
A partir das elaborações do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) sobre o sujeito e a ciência, a autora realiza um exame da forma como os elementos dessa constelação de produções de Ferdinand de Saussure estão em jogo na fundação da lingüística moderna. Para tanto, buscou o movimento de Saussure na fundação da ciência lingüística considerando cada elemento dessa constelação e estabelecendo, a partir da psicanálise, a relação possível entre eles. Com esse objetivo, a autora lança mão das figuras topológicas banda de Moébius e nó borromeano para se aproximar do movimento particular de Ferdinand de Saussure, levando em consideração a hipótese do inconsciente. Nesse percurso, a autora retoma a teoria do valor, as reflexões sobre os anagramas, a formação de Saussure na gramática comparada e o manuscrito “Première Conférence (cours de ouverture)”, datado de 1891.
Trata-se de trabalho apresentado, originalmente, como tese de doutorado ao Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. O livro é, sem dúvida, uma grande síntese da pesquisa desenvolvida pela autora, de forma absolutamente inédita, que contribui para produzir novas leituras da obra fundante de Ferdinand de Saussure. Acresce-se a isso a qualidade textual do livro, revelando estilo singular e apropriação do referencial mobilizado.
O livro reúne, de forma original, quanto à literatura especializada, o que há de mais atual sobre o pensamento saussuriano. Somente esse motivo já seria suficiente para recomendá-lo, porém, é justo que se diga mais: o trabalho tem mérito científico, apresenta aprofundada reflexão a respeito da epistemologia lingüística, excelente expressão lingüística, adequada metodologia. Enfim, trata-se de pesquisa com alto índice de ineditismo, já que não se tem conhecimento, na bibliografia especializada brasileira, de trabalhos inseridos nesse quadro teórico-conceitual.
Sobre a autora: Eliane Mara Silveira é doutora em Lingüística pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL-Unicamp). Entre 1996 e 2003 foi membro da Escola de Psicanálise de Campinas. Atualmente é professora da graduação e da pós-graduação do Instituto de Letras e Lingüística da Universidade Federal de Uberlândia (Ileel-UFU).